O preço dos combustíveis tem pesado cada vez mais no bolso dos baianos. O litro da gasolina, por exemplo, já passa de R$5 nos postos de Salvador, o que tem feito com que muitos consumidores rodem a cidade atrás de valores mais competitivos e assim possam economizar um pouco mais. Os especialistas do setor, no entanto, advertem: na hora de abastecer e encher o tanque, além do preço, é preciso observar um outro ponto fundamental neste mercado: a qualidade do combustível.
O fato é que a fraude dos combustíveis ainda é um crime muito comum em todo o Brasil. “E as consequências para o carro são péssimas”, afirma o engenheiro mecânico e gerente de base da distribuidora de combustíveis Larco, Artur Angelis. Ele diz que, dentre outros problemas, o produto “batizado” pode aumentar o consumo de combustível e de emissões, contaminar o óleo lubrificante, degradar o sistema do catalisador do veículo, carbonizar as velas de ignição e entupir os bicos injetores.
Angelis lembra que os carros mais afetados são os que rodam somente com gasolina, já que estes recebem, em casos mais comuns de fraudes, um percentual de álcool bem acima do permitido. “Os carros flex sentem menos, inicialmente, mas com o passar do tempo os problemas vão aparecer. A mecânica vai ser comprometida também”, alerta o engenheiro mecânico.
A recomendação é abastecer sempre no mesmo posto e de uma bandeira conhecida. Outra dica é evitar os estabelecimentos onde o combustível é vendido muito abaixo do preço da concorrência. Neste caso, as chances de o produto ser adulterado são de quase 100%. “Combustível muito abaixo do preço médio é um forte indício de que o posto está vendendo um produto ruim ou cometendo algum tipo de ilegalidade no processo de venda”, conta o gerente da Larco.
Para quem acha que vale a pena correr esse risco, Artur Angelis cita um exemplo: “Um determinado modelo de veículo, que roda com uma gasolina dentro das especificações estabelecidas, faz 15 quilômetros por litro. Se usar um combustível manipulado, vai conseguir fazer 10 quilômetros por litro. Ou seja, o motorista não vai economizar nada, talvez até tendo um prejuízo financeiro maior, sem falar nos danos, muitas vezes, irreversíveis para o automóvel”.
Prejuízo
Quem já passou por este tipo de problema, concorda com o gerente da Larco. No fim do ano passado, o arquiteto Paulo Mascarenhas encheu o tanque de seu EcoSport com combustível adulterado. “Estava quase com o carro na reserva e resolvi abastecer em um posto na BR-324. Logo que deixei o local, percebi oscilações de rotação, falhas no funcionamento, média de consumo aumentando repentinamente e baixo desempenho”, conta. “No outro dia, o carro não quis ligar e isso durou uns dois dias. Com certeza foi a qualidade da gasolina”, relata.
A conta do prejuízo: quase R$ 700. “Tive que esvaziar o tanque, completar de novo, e trocar duas peças. Pior de tudo é o sentimento de ser enganado”, afirma o arquiteto.
Outro indício de que algo está errado com o combustível é o movimento no posto, especialmente em horário de pico. Postos vazios nestes momentos é algo muito estranho, ainda mais se for de boa aparência ou de bandeira. Artur Angelis aponta outros cuidados que o consumidor deve ter para reduzir o risco de comprar combustível adulterado: estar atento se o posto for bandeira branca, pois cada bomba abastecedora deverá identificar o distribuidor do respectivo combustível.
“Além disso, em casos de abastecimento com gasolina, sempre que possível solicite o teste da proveta, que mostra o percentual de etanol anidro na gasolina, que por lei deve ser 27%, com tolerância de 1% para mais, e 1% para menos”, afirma. O consumidor pode pedir também para verificar o aspecto visual do combustível, que precisa estar límpido e variar de incolor a amarelo, quando isenta de corantes e verde, quando aditivada. Outra dica: sempre que for abastecer, seja posto com ou sem bandeira, peça a nota fiscal.
Dono de uma oficina mecânica na Rua do Castro Neves, em Brotas, o mecânico Pedro Oliveira diz que é muito comum consertar veículos com problemas provocados pela má qualidade do combustível. “Já recebi carro aqui que não tinha combustível não, mas solvente”, afirma. Os procedimentos podem ser desde esvaziar o tanque e realizar uma simples limpeza, até trocar mangueiras de pressão e filtro de combustível, conta ele. “Nos casos mais danosos, quando a quantidade de solvente encontrada é muito grande, o combustível adulterado pode chegar a corroer a cabeça de pistão e as válvulas”, diz.
Controle de qualidade
A Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) é responsável pela fiscalização dos postos e checagem da qualidade. O órgão possui vários mecanismos e normas para que, tanto a distribuidora como os proprietários dos postos façam cumprir as determinações que visam à manutenção da qualidade do produto oferecido ao consumidor final. Um destes instrumentos é a análise de combustível, que deve ser feita a partir do momento em que um novo carregamento chega ao posto e tem como objetivo garantir a qualidade e segurança dos produtos vendidos.
O posto não é obrigado a fazê-la. Ele pode optar por aceitar o estudo feito pelo fornecedor. Entretanto, deve reconhecer esse exame feito previamente, preenchendo e assinando o Registro de Análise da Qualidade (RAQ) com os dados enviados pela fornecedora, assumindo os riscos que porventura venham a incidir sobre o material.
A Larco conta com uma equipe especializada, os operadores de combustível. Além disso, todo insumo, antes do carregamento para entregar ao cliente, passa por análise de uma empresa laboratorial, especializada e licenciada. O produto expedido é acompanhado de um boletim de conformidade emitido por um químico credenciado.
“Esse boletim é enviado toda vez que recebemos produto em nossos tanques, ou seja, se recebermos combustível no tanque três vezes ao dia, o experimento laboratorial é realizado nesta mesma proporção”, afirma Artur. “Temos muito compromisso e responsabilidade com o produto que fornecemos. Contamos com rigorosos testes de qualidade para certificar que o produto entregue ao cliente não esteja fora de especificação, podendo danificar e comprometer a mecânica do automóvel”, relata.
O mercado de combustíveis do Brasil, que está entre os seis maiores do mundo, perde quase R$ 23 bilhões por ano em fraudes. A cifra de R$ 7,2 bilhões em evasão fiscal é conhecida, mas a ela se somam R$ 15,7 bilhões em burlas quantitativas, com bombas adulteradas, e qualitativas, com misturas fora do padrão. Aí tem um pouco de tudo, etanol com mais água, metano e até nafta na gasolina.
SERVIÇO
O que exigir
O consumidor lesado tem o direito de receber de volta o valor pago pelo combustível, além do reembolso dos gastos com o conserto do veículo, incluindo peças e mão de obra. Nos casos de motoristas que usam o carro para trabalhar, é possível exigir o pagamento de danos lucros e cessantes equivalentes ao que deixaram de ganhar pelo tempo necessário aos reparos.
Como evitar
– Desconfie de preços baixos: A gasolina com valor muito barato costuma ser adulterada, claro que isso não evita o risco de abastecer com gasolina adulterada em estabelecimentos que cobrem mais caro.
– Confira a origem do produto: O posto tem que informar claramente a sua origem. Os postos sem distribuidora exclusiva (bandeira branca) devem informar, em cada bomba abastecedora, qual foi a distribuidora que forneceu o combustível.
– Verifique se tem o selo do Inmetro: Se você desconfiar da diferença entre a quantidade de combustível que você pagou e a que realmente foi colocada no seu tanque, peça ao posto para testar a bomba na sua frente. É o chamado teste de vazão, que o posto não pode se negar a fazer.
– Peça o teste da proveta: Se o consumidor suspeitar da qualidade de uma gasolina, pode e deve pedir no posto que realize na hora o “teste da proveta”, que mede a porcentagem de etanol misturado à gasolina.
Tipos de adulteração
Etanol hidratado – Uma adulteração muito comum é vender, no lugar do etanol hidratado (aquele que é combustível), uma mistura de etanol anidro (aquele que é misturado à gasolina, que tem cor laranja) com água. É o chamado “álcool molhado”.
Gasolina comum e aditivada – O excesso de etanol anidro (acima da porcentagem determinada por lei, entre 26% e 28%) e a adição de solventes são as principais irregularidades encontradas na gasolina.
Óleo diesel – O óleo diesel no Brasil é misturado a 12% de biodiesel, o que não muda o aspecto do combustível nem interfere em nada no funcionamento do motor. Além disso, o produto pode ser de três tipos, conforme a quantidade de enxofre que contém: S10 e S500. Todos têm que ser límpidos e sem impurezas.
Perguntas e respostas
Quem é responsável pela qualidade dos combustíveis automotivos comercializados?
O revendedor varejista deve garantir a qualidade dos combustíveis que vende ao consumidor final.
Como a ANP combate a adulteração dos combustíveis?
A ANP mantém o Programa de Monitoramento da Qualidade dos Combustíveis, que coleta e analisa amostras de combustíveis em postos de todo o Brasil. Os principais resultados do Monitoramento são divulgados no Boletim Mensal da Qualidade, que apresenta os dados coletados até o mês anterior. A partir das informações obtidas nesse programa, das denúncias de consumidores e de outros órgãos, como Procons, Ministério Público e Polícia, a ANP direciona as ações e estabelece os roteiros da fiscalização. Se comprovada a adulteração são tomadas medidas, tais como: autuação, lacre da bomba, fechamento do posto e multa.
Quais os procedimentos para obter ressarcimento em caso de danos causados ao veículo por combustível adulterado?
A defesa de direitos dos consumidores quanto a eventuais danos causados a seu veículo não é de competência da ANP. Assim, para pedidos de ressarcimento, o cidadão deverá obter orientação dos órgãos de defesa do consumidor (Procon ou Ministério Público, caso não exista Procon em sua cidade).
Os combustíveis automotivos têm prazo de validade?
Os combustíveis automotivos não têm um prazo de validade estabelecido. Entretanto, sua estabilidade está diretamente ligada às condições de armazenamento que devem estar em condições brandas de temperatura e pressão e também sem incidência de luz. No caso do derivado de petróleo (diesel e gasolina), o tanque deve ser regularmente drenado para evitar o acúmulo de água. Além disso, existe um fator, bastante comum que também influencia na estabilidade da conservação dos combustíveis, que é o desenvolvimento de microorganismos que o degradam. Dessa forma, a “validade” dos combustíveis é variável de acordo com o armazenamento, evitando o acúmulo de água, a oxidação e o desenvolvimento de microorganismos.
Qual a diferença entre monitoramento da qualidade e fiscalização?
As atividades de monitoramento não se confundem com as de fiscalização, que são desempenhadas exclusivamente por servidores da ANP especificamente designados para a função de fiscais. Os fiscais podem autuar e interditar estabelecimentos regulados, recolher amostras de combustíveis e outros produtos para análises físico-químicas, e atuar em forças-tarefa em conjunto com outros órgãos públicos, como Procons, polícias, bombeiros e secretarias de fazenda. Portanto, somente os fiscais da ANP têm autoridade para lacrar bombas ou fechar postos revendedores. Já o monitoramento da qualidade dos produtos é realizado com o auxílio de agentes coletores vinculados a instituições contratadas pela ANP exclusivamente para esta atividade. A coleta de amostras e realização de análises físico-químicas servem de base para a geração de dados consolidados sobre a qualidade dos produtos regulados comercializados no território nacional. Os agentes das instituições contratadas para a coleta e análise de amostras não são fiscais da ANP e não podem realizar autuações ou interdições.
Como posso visualizar laudos de postos?
Isto não é possível já que o laudo de análise é tão somente um vetor de inteligência para direcionar as ações de fiscalização da ANP, e fornecer um panorama da qualidade dos combustíveis, não tendo caráter punitivo.
Fonte: ANP