Os tambores vão chegando no meio da multidão, na ladeira do Curuzu, no bairro da Liberdade. Os mais antigos do Ilê Aiyê se posicionam no jardim da frente do terreiro Ilê Axé Jitolu, junto aos convidados. A magia do som toma conta do ambiente. Pipoca e milho branco voam sobre as cabeças. Pombas brancas ganham a liberdade das mãos negras. Assim é o início da saída do bloco Afro Ilê Aiyê que, com o apoio do Governo do Estado, através do Carnaval Ouro Negro, seguiu pela 45ª vez, neste sábado (2), rumo ao circuito do Campo Grande.
Para a secretária estadual da Cultura, Arany Santana, a noite é de muitas comemorações. “Além dos 45 anos do Ilê, este é o décimo segundo ano do Carnaval Ouro Negro, que patrocina diversos blocos, grandes e pequenos”. Ainda segundo Arany, o apoio realizado através do Ouro Negro possibilita a manutenção da tradição e também o surgimento de novos blocos e de outros movimentos de matriz africana. “Temos aí o hip hop, o rap, que são manifestações contemporâneas, mas que não deixam de ser desdobramentos desses blocos afro que hoje existem e que são apoiados pelo Governo do Estado. Então é provável que tenhamos netos e bisnetos do Ouro Negro”.
O Vovô do Ilê, nome popular de Antônio Carlos dos Santos, fundador do Ilê Aiyê, fala da importância do incentivo do Governo do Estado para a manutenção da tradição. “Hoje, o Ouro Negro é muito importante, tanto para os pequenos quanto para os grandes blocos. Nós sentimos muito a ausência do setor privado também nos apoiando. Por isso é tão importante o incentivo do Governo do Estado para a sobrevivência das entidades culturais de matriz africana”, destacou.
O mundo se une aqui
A correspondente internacional da China Global Television Network, Lucrécia Franco, que tem sede em Nova Iorque, nos EUA, e em Nairobi, no Quênia, no continente africano, cobriu a saída do Ilê. “A gente vem cobrindo o Carnaval do Brasil sempre no Rio de Janeiro. Resolvemos fazer essa cobertura em Salvador, que rivaliza com o do Rio. Ontem acompanhamos o Olodum, hoje o Ilê, amanhã estaremos no Gandhy. Nós queremos mostrar isso, o que vem da África, o que se misturou com o Brasil, o que ficou aqui. O que a gente viu até agora é maravilhoso, é mágico.
Para o secretário estadual do Turismo, Fausto Franco, esse tipo de cobertura é muito importante. “É uma oportunidade para o mundo entender como somos ricos culturalmente, conhecer nossas belezas naturais e nosso povo super hospitaleiro. Evidentemente que o turismo ganha com isso porque as pessoas ficam curiosas e querem vir à Bahia. Eu defendo que o Turismo seja ligado à cultura. Essa cobertura internacional só reafirma o potencial cultural, artístico e natural do nosso estado”.
A estratégia funciona. De Londres, a jornalista Kai Lutterodt não estava a trabalho no Curuzu. Após a revolta dos malês, alguns ex-escravos voltaram para Gana, na África, e criaram uma comunidade chamada Tabom. Um deles era antepassado de Kai. “É a segunda vez que venho passar Carnaval em Salvador. A cultura baiana é muito semelhante a de meus ancestrais, na África. É muito bom ver essa semelhança nas músicas, os arranjos nos cabelos, a comida e a receptividade com as pessoas. Isso é, definitivamente, africano”, afirmou.
Beleza Negra
A saída do Ilê este ano reuniu a primeira vencedora do concurso Beleza Negra, realizado há 40 anos, dona Lourdes Cruz, conhecido como Mirinha, e a atual Rainha do Ilê, Daniele Nobre. As duas concordam em um ponto: o Beleza Negra não diz respeito apenas à estética. Daniele diz que “é também a consciência, o ensinamento dos ancestrais, é uma história de resistência, é conhecer e respeitar a história do bloco. É um conjunto”. A experiência da anciã Mirinha confirma as palavras de Daniele. “Para mim, o concurso exalta a nossa dança, a nossa persistência e resistência”.